O papel da liderança na prevenção do greenwashing

 

*Por Luís Fernando Guedes


Uma empresa somente justifica sua existência na medida em que atenda, de forma eficiente, um ou mais anseios socais. Decorre daí que mudanças na dinâmica da sociedade, sejam no campo da ética, de ordem sanitária ou mesmo cultural, demandam resposta rápida e visível por parte das empresas. Tornam-se competitivas aquelas que melhor e mais rapidamente respondem ao público que servem ou, melhor ainda, aquelas que se antecipam às demandas que ainda são incipientes. Admiramos aquelas que são vetores do avanço social na direção daquilo que queremos ver mais: equidade social, integração com o meio-ambiente, promoção da diversidade e geração de riqueza compartilhada.

Assim, percebo que uma mudança estratégica de grandes proporções na gestão dos negócios está em curso. O público exige de modo crescente que as empresas tenham compromisso sincero e duradouro com pautas sociais e ambientalmente sustentáveis. Os governos, o nosso e quase todos, não têm capacidade por si só de conduzir essa agenda. Cabe às organizações em geral, e às grandes em particular, liderar os esforços, dar o exemplo e se apropriar dessa agenda. Aquelas que não entenderem seu novo papel correm o risco de se tornarem irrelevantes, o que de pior pode acontecer para um negócio.

Governos da União Europeia, dos EUA e da China, além de organismos multilaterais, estão batendo o bumbo regulatório em favor da descarbonização já há tempos e os ecos chegaram ao nível executivo das organizações, tanto por meio da voz ainda parcialmente difusa da sociedade, quanto de forma mais estruturada, vinda do Conselho de Administração.

O ritmo da mudança que se espera exige revisão das políticas e medidas práticas na busca por encontrar um novo caminho para geração de valor – mesmo que implique em perdas no curto prazo. Nesse momento em que fazer é absolutamente necessário, passa a ser estratégico encontrar formas eficientes de comunicar o progresso na arena socioambiental. E aí mora um perigo...

Em termos estritos, pode-se entender greenwashing como um desalinhamento, intencional ou não, entre a comunicação acerca do progresso em ações socioambientais e as evidências auditáveis desse progresso. Somam-se a esse conceito as promessas vazias e as expressões ambíguas, tais como ‘amigos da terra’ ou ‘sustentáveis’ e ainda o uso indevido de compensações ambientais.

Sendo assim, as consequências do greenwashing estão se tornando mais sérias para as empresas, com prejuízos importantes no horizonte. Há poucos anos os compromissos em favor da sustentabilidade socioambiental recebiam pouco escrutínio, mas sobretudo depois da pandemia passamos a refletir mais profundamente sobre o nosso papel no ecossistema – mais como participantes e, talvez, menos como protagonistas.

Uma implicação clara é a expectativa social de que as organizações abordem diligentemente seu impacto socioambiental e tornem público seu compromisso em subir a barra. Em abril de 2021, por exemplo, a Comissão Europeia adotou uma nova Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD), por meio da qual todas as grandes empresas do bloco devem demonstrar dados não financeiros de forma mais detalhada e auditável, além de exigir que as empresas 'etiquetem' digitalmente as informações relatadas, de modo que possam ser processadas por algoritmos de inteligência artificial, facilitando o controle agregado das informações pelas autoridades.

Durante a COP26 em Glasgow, a IFRS lança o International Sustainability Standards Board, uma estrutura para que reguladores de todo o mundo possam definir regras sobre divulgações não-financeiras e na mesma conferência o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterrez assume publicamente o compromisso de constituir um painel internacional de especialistas para “estabelecer padrões claros para medir e analisar compromissos de emissões líquidas zero”. O grupo de especialistas apresentará uma proposta dentro de um ano, com foco em quatro áreas: estabelecimento de padrões e definições para metas de emissões líquidas zero; implementação de critérios de credibilidade para avaliar os objetivos; desenho de processos para verificação do progresso em relação aos compromissos e planos de descarbonização e definição de um roteiro para desdobrar os padrões e critérios em regulamentos internacionais e nacionais.

Acobertar uma ação social ou ambientalmente desalinhada com a expectativa social pode causar um dano considerável à reputação da companhia. Não falo somente da perda de mercado, que pode ser a consequência mais imediata, mas do abalo que pode ser causado no front da batalha por talentos – os melhores da Geração Y (nascidos nos anos 80 e 90) e os que estão chegando da Geração Z (principalmente aqueles nascidos por volta dos anos 2000) esperam trabalhar para empresas cujos valores reflitam o seu tempo: diversidade, engajamento, ativismo, humanização das relações, para não dizer uso intensivo da tecnologia digital. Nesse ambiente, atrair e reter os melhores passa por desenvolver uma cultura na qual indivíduos talentosos possam ver refletidos seus valores e cultura.

Este é um momento importante para a liderança ecoar publicamente os compromissos com a sustentabilidade, declarando claramente os passos que estão tomando para atingir as metas ESG ano após ano. Tenho visto que uma estratégia vencedora passa por centralizar a comunicação externa e descentralizar a comunicação interna, como forma de dar transparência à jornada e buscar compromisso compartilhado dentro de casa.

Depois do comprometimento genuíno e articulado, cabe à liderança sênior encontrar o tom certo da mensagem. A busca é pelo equilíbrio delicado entre detalhamento das ações, evidências concretas dos avanços e concisão. Ficam robustecidos os papeis da área de Relações Públicas e Marketing, principalmente para apoiar a busca pela mensagem correta, no canal certo e na velocidade do mercado, desempenhando inclusive o papel de articular interna e externamente o que a sustentabilidade significa no contexto das operações da companhia.

O modelo atual de relatórios de sustentabilidade utilizado pelas grandes companhias é majoritariamente voluntário e está cheio de problemas. Muitos aspectos reportados são materialmente irrelevantes, quando não factualmente errados, e deixam de revelar muitas coisas que importam. Empresas de consultoria têm procurado se especializar no tema a passos rápidos, na busca não somente de apoiar empresas a otimizar seus esforços socioambientais, mas também para entender como o marco regulatório irá evoluir nos próximos anos.

As empresas que estiverem preparadas para fazer o certo estarão também posicionadas no lugar de autenticidade para reportar os seus compromissos e conquistas – e é isso que esperam os talentos da sua organização, os melhores clientes e nós, a sociedade.

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*Luís Fernando Guedes é consultor e professor da FIA Business School, com foco em projetos de consultoria para a área pública. Trabalha ativamente como pesquisador de Inovação e Competitividade desde 2008


Sobre a FIA Business School

Criada em 1980, a FIA Business School é referência entre as escolas globais de negócios do Brasil e da América Latina.

Atua em educação executiva, pesquisa e consultoria com soluções customizadas para organizações do setor privado e público - uma referência no Brasil e no mundo. Porque ensina você a transformar conhecimento em resultados que mudam o jogo - no mundo dos negócios e na sociedade.

Sua fundação se deu por professores da Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade (FEA-USP) com a missão de desenvolver e disseminar o conhecimento e as melhores práticas em Administração. Os MBAs da FIA são credenciados pela AMBA (Association of MBAs), sediada em Londres e, desde 2004, frequenta as publicações internacionais de melhores MBAs, incluindo Financial Times e EuropeanCEO.

A graduação em Administração de Empresas foi avaliada pelo ENADE como a melhor em Administração em Negócios na cidade de São Paulo, e alcançou por três vezes consecutivas 5 estrelas na avaliação do Guia do Estudante.

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