Homem teve que percorrer quase 200 km para registrar BO após sofrer racismo no Piauí




Um dos fundadores do povoado Mimbó, comunidade remanescente de quilombo situado no município piauiense de Amarante, no interior do Piauí, denuncia que foi vítima de racismo. Bastante abalado, o quilombola Françoar da Paixão, 40 anos, que trabalha como montador de andaimes, ainda não consegue reviver o momento em que teria sido alvo de xingamentos e chamado de “neguin” após se recusar a tomar uma cerveja durante uma festa de aniversário.

O caso foi registrado na Central de Flagrantes de Teresina, neste sábado (03).

“A gente foi a esse aniversário a convite de um primo do meu esposo. Compramos quatro fichas de uma determinada cerveja e uma pessoa que estava lá disse que queria ver se realmente se tratava da cerveja daquela marca, pois conhecia só pelo cheiro. Então, pegou a cerveja que meu marido comprou e passou no nariz. Meu marido disse que não queria mais e saiu pra pegar outra. Nisso, começaram as ofensas. Ele começou a dizer: esse nêgo tá me tirando?! vai tomar no [xingamento], seu nego; ele pensa que é o quê? ele não é nada!”, relata Tatiana Gomes, esposa da vítima.

“Ele ainda pegou a cerveja por cima da mesa e disse: esse nego tá pensando que é o que? se ele quiser, eu pago a cerveja. Vai tomar [xingamento], nego do [xingamento]. Meu marido não viu nada disso, pois tinha ido pegar outra cerveja. Quando ele retornou, percebeu que o clima estava desagradável e mudou de mesa. Só que ele continou e disse: a pessoa que toma cerveja dessa marca é o pior miserável do mundo. Daí me intrometi e ele mandou eu e meu marido se lascar. Daí me levantei da mesa e saí, comecei a falar alto que meu marido estava sofrendo racismo”, conta a esposa.

Ao Cidadeverde.com, Tatiana diz, que além da dor sofrida pelo marido, ela ainda teve que enfrentar a falta de empatia de outras pessoas que também teriam presenciado o crime.

“Diziam pra eu deixar pra lá, sempre querendo ‘passar o pano’. Outra pessoa disse que não ia dar em nada, porque ninguém tinha gravado. Mesmo assim, fui atrás dos meus direitos, dos direitos do meu marido e vou lutar pra não ficar em branco. Chega de tanto racismo! saímos de lá chorando e estamos há dois dias sem dormir. Meu marido disse que está se sentindo um lixo. Ele vai superar e mostrar que é um ser humano igual a todo mundo”, desabafa a esposa.

Segundo ela, essa foi a primeira vez que sofreram racismo. “Eu via muito na televisão, mas nunca tinha passado por isso. Minha dor maior é que todo mundo na mesa viu e passou despercebido”, lamenta. Praticar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional é considerado crime com pena de reclusão de um a três anos e multa.

DIFICULDADE PARA REGISTRAR BO

A esposa de Françoar conta que ainda tiveram que percorrer quase 200 km até à Capital para registrar boletim de ocorrência.

“Em Amarante estava fechado. Já na cidade de Água Branca não fizemos, pois não levamos documentos. Saímos de casa muito aflitos com tudo o que ele passou. Estamos com o psicológico muito abalado. Mas temos fé que vai dar tudo”, diz a esposa.

O delegado Marcelo Leal, gerente de Polícia do Interior, informou que vai apurar a situação relacionada à delegacia de Amarante e, caso o denunciante tenha se sentido lesado, pode acionar a Ouvidoria da Polícia Civil do Piauí através do telefone 162.

“É válido lembrar que qualquer cidadão também pode registrar boletim de ocorrência sem sair de casa, pelo meio eletrônico, no site da Polícia Civil do Piauí”, destaca o delegado.

Por Cidade Verde

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