[Análise] Pandemia, poder de compra e mercado de trabalho

 Não está fácil para ninguém. Quando pensamos no bem-estar e no poder de compra do brasileiro, o cenário é desafiador. Nesse artigo, quero mostrar alguns números que vão ajudar você a tangibilizar aos demais o sentimento da população.


Números Covid-19

Primeiro, o alívio da pandemia. Até 19 de abril, o país registrou 10.323 casos de Covid-19 nas últimas 24 horas e 65 mortes. Não devemos comemorar que 65 pessoas morreram e nem que a média móvel dos últimos 15 dias ficou abaixo de 100. Afinal, mais de 50 pessoas deixaram seus entes queridos no último dia. Para quem se foi ou perdeu um ente querido, não há Estatística. Mas, as 469 milhões de vacinas aplicadas fizeram a sua parte. Depois de 662 mil brasileiros mortos, a luz no fim do túnel começa a aparecer.

Para fins de comparação, o Brasil terminou a Guerra do Paraguai com 60 mil mortos. O maior conflito bélico entre os países da América do Sul matou 10 vezes menos que a Covid-19. Já na Segunda Guerra Mundial, foram 467 brasileiros. E, na gripe espanhola de 1918 a 20, morreram cerca de 35 mil pessoas, 18 vezes menos, e mesmo pela taxa populacional, é maior.

Além disso, as 662 mil vidas perdidas significam um corte de R$ 16,5 bilhões por ano na massa de renda potencial das famílias, segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre) obtidos pelo Estadão. O estudo, que busca mensurar a perda do capital humano, considera as vítimas da doença com 20 anos ou mais, entre 16 de março de 2020 e 16 de março de 2022. Entre pessoas de 20 a 69 anos, foram 326,3 mil vidas perdidas no período, o que equivale a uma massa de rendimentos médios mensais de R$ 754,3 milhões, ou R$ 9,1 bilhões em um ano.

Considerando o rendimento médio quando morreram e a expectativa de vida do brasileiro, às vítimas da Covid nessa faixa etária teriam capacidade de somar à renda familiar R$ 285,9 bilhões até falecer por outra causa.

O poder de compra

Uma comparação que gosto de fazer: retroceder ao ano que entrei no mercado: 2005. Lá, no meu primeiro estágio, eu ganhava cerca de R$ 1.500 para trabalhar 40 horas por semana. Hoje, respeitando a lei do estágio, ganharia cerca de R$ 1.125. Em 2005, eu compraria, com minha bolsa: 598 litros de gasolina, que custava R$ 1,88 o litro;
34 botijões de gás, que custava R$ 33.

Isso não teria problema, desde que não afetasse o poder de compra. Como ficaria o salário de estágio se corrigirmos pelos principais índices de inflação? INPC: R$ 2.861,33;

IGPM: R$ 3.901,97;
IPCA: R$ 2.812,58;
IPC-FIPE: R$ 2.635,96;
ICV: R$ 2.389,17.

E qual seria o salário do estagiário em São Paulo hoje? Fizemos uma pesquisa no Glassdoor e os valores foram:Estágio Banco I: R$ 2.700;

Estágio Banco S: R$ 2.737;
Estágio Automotiva: R$ 1.835;
Estágio Farmacêutica: R$ 2.042.

Pelos números, as bolsas dos programas de estágio, no geral, estão corrigidas pela inflação. Pegando o IPCA, a divergência é de pouco mais de R$ 50. Entretanto, se expandirmos o olhar para além do estágio no setor financeiro em São Paulo capital, o resultado é outro.

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de fevereiro de 2022 mostram que o salário médio dos admitidos (R$ 1.813) voltou a ficar abaixo do dos demitidos (R$ 1.850), como ocorreu em dezembro de 2021. Na comparação com fevereiro de 2021, o salário médio real dos admitidos recuou 1,1%.

Um estudo recente do IPEA (Carta de Conjuntura Número 55, Nota 5, 2º trimestre de 2022) mostra o impacto da inflação por faixa de renda. A primeira constatação do estudo é que o Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda para março foi de 1,24% para a faixa de renda mais alta e 1,78% para a de renda mais baixa. Com isso, a sensação de escassez é maior nos estratos de renda menor, que já é apertado por definição.

Segundo o IPEA, a maior fonte de pressão inflacionária em março veio da alimentação em domicílio e do pacote de transportes: comida e locomoção. Esses dois, fundamentais na qualidade de vida da população. Olhando para os últimos 12 meses, a pressão para baixa renda está no grupo habitação, impactado pelos reajustes de 28,5% das tarifas de energia elétrica e de 29,6% do botijão de gás.

Adicionalmente, o comportamento dos alimentos no domicílio, em especial os aumentos de 55,9% dos tubérculos, de 8,1% das carnes, de 18,9% de aves e ovos, de 13,5% dos leites e derivados e de 10,8% dos panificados, também provocou impactos altistas significativos sobre a inflação no período, sobretudo para as camadas de renda mais baixa.

O mercado de trabalho

Na mesma Carta de Conjuntura, Nota 2, o IPEA faz uma análise sobre a recuperação do mercado de trabalho ocorrida em fevereiro de 2022. A taxa de desocupação recuou de 14,8% em fevereiro de 2021 para 11,3% em fevereiro de 2022, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) contínua.

Nota-se, no entanto, que a queda da desocupação, em 12 meses, vem sendo atenuada pelo aumento da taxa de participação, que passou de 60,2% para 62,2% entre fevereiro de 2021 e 2022. Em fevereiro de 2022, a força de trabalho brasileira era composta por aproximadamente 107,4 milhões de pessoas, o que significa uma alta de 4,3% na comparação interanual. Isso significa que o número de desalentados, ou seja, aqueles que haviam desistido da procura por ocupação, caiu.

Entretanto, um fato me deixa um pouco preocupado: o forte crescimento da ocupação informal, com variação interanual de 16,5% dos empregados sem carteira no setor privado e o crescimento de 6,7% nos trabalhadores por conta própria. Em teoria, empregos sem carteira são uma alternativa a não ocupação, mas não ao trabalho formal. É consenso que a produtividade e a renda desse tipo de ocupação são piores do que a formal, mostrando o abismo que nos encontramos no quesito produtividade.

Nos últimos 12 meses, embora todos os segmentos apontem um crescimento do emprego formal, o comércio continua sendo o setor com a maior criação de empregos (527,9 mil). Em seguida, aparecem a indústria de transformação (598,4 mil), os serviços administrativos (332,5 mil) e a construção civil (231,4 mil).

Analisando os dados do Caged por grau de instrução dos empregos criados, a grande maioria dos empregos criados nos últimos 12 meses se destinou a trabalhadores com o ensino médio completo (1,9 milhão), o que corresponde a 73% do total gerado. Para o ensino superior, a criação de vagas foi de 240 mil para o completo e 118 mil para o incompleto, totalizando 358 mil vagas (ou 13,8%). Cada vez mais, a educação é fundamental para os empregos gerados.

Já o corte por faixa etária mostra que mais de 1,5 milhão de novas vagas de trabalho criadas foram ocupadas por jovens de 18 a 24 anos. Em contrapartida, houve uma destruição de aproximadamente 130 mil vagas para o segmento de trabalhadores com mais de 60 anos.

Os números e a carreira

Diante do retrato que os números nos colocam, pode-se afirmar que 2022 será complicado pelo aumento dos preços, mas há esperança na abertura de novas vagas de emprego. O estoque de trabalhadores formais ajustado pelo Caged chegou a 41,2 milhões em fevereiro, expandindo-se 6,7% em relação ao mesmo período de 2021 e alcançando o mesmo número de 2014.

Claro que, de 2014 até aqui, a população cresceu bastante e ter o mesmo número de contratado via CLT não é bom. Porém, isso mostra que há recuperação no emprego, o que traz um pouco de esperança para 2022. Esperança, inclusive, compartilhada pelo FMI, que revisou, no começo do mês, a previsão de crescimento do PIB do Brasil de 0,3% para 0,8%. Tá bom, sei que não é algo animador crescer 0,8% num ano em que o mundo crescerá 3,6%, mas já é um passo.

E o crescimento de vagas formais é especialmente importante para vocês, que me leem e investem nas suas carreiras e no aperfeiçoamento por meio da educação. O mundo puxando a compra de commodities vai pressionar o Brasil para entregar mais capacidade produtiva de forma rápida. E a única forma de fazer isso é por meio dos profissionais produtivos e preparados. Concorda?
Autor: Virgilio Marques dos Santos, CEO da FM2S Educação e Consultoria

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